A violência contra crianças e adolescentes constitui-se fenômeno complexo, cuja compreensão deve ser situada nos contextos históricos, econômico, cultural, jurídico, político e psicossocial, que configuram a estrutura da sociedade brasileira, estabelecendo valores e relações de gênero, de raça e de poder.
Embora a violência contra crianças e adolescentes tenha ganhado maior visibilidade nos últimos anos, por intermédio de denúncias públicas e de campanhas, esse fenômeno ainda é difícil de ser quantificado, pois se manifesta de forma variada, não se restringindo a um determinado estado, região ou cidade do país.

As situações de violência física, sexual, psicológica, negligência e exploração sexual comercial com crianças e adolescentes, são fatos sociais dos mais graves incidentes da exclusão, vulnerabilidade e riscos sociais do país explicitados pelo contexto social.
Este campo de proteção na assistência social se ocupa das situações pessoais e familiares com ocorrência de contingências, vitimizações e agressões, cujo nível de agravamento determina seu padrão de atenção.
As condições econômicas das famílias atendidas neste serviço apontam que a maioria absoluta (sempre acima de 70,0%) tem uma renda familiar variando entre “menos de um salário mínimo” a “três salários mínimos”. Dessas famílias, cerca de 80,0% têm dois ou mais filhos, agravando a situação de pobreza constatada.
Vale comentar este aspecto mais demoradamente, pois a literatura clássica sobre o tema afirma que todas as classes sociais vivenciam o problema da violência doméstica (Straus et al., 1980; Garbarino& Gilliam, 1981). Contudo, é nas classes populares que se encontram os maiores percentuais de registros colhidos. Entretanto, não se pode esquecer que a concentração de renda no Brasil tem crescido cada vez mais (Saboia, 1993). Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios — PNAD (IBGE, 1990) apontam que, no ano de 1989, 30,7% das famílias brasileiras recebiam rendimento mensal na faixa de 0 a 2 salários mínimos, e uma vez estendido o rendimento familiar à faixa de 0 a 5 salários mínimos, este percentual eleva-se a 61,2% das famílias.
Logo, não há contradição no fato das “famílias pobres”, por serem mais numerosas, contribuírem com a maioria dos casos registrados. Por outro lado, a análise atual da “etiologia dos maus-tratos” aponta para uma perspectiva dinâmica onde uma rede de fatores está interligada, inclusive os socioeconômicos, que são de grande importância.
Cabe, contudo, lembrar o nível elevado de pressões, estresse e frustrações que a miséria traz. Seria até ingênuo descartar tais fatos, porém se as análises não cotejarem as questões culturais, psicológicas e sociais, corre-se o risco de chegar a conclusões eminentemente ideológicas, mais uma vez com prejuízos para as classes populares e camadas de baixa renda.
Outro aspecto importante é o acesso mais “facilitado” dos serviços sociais às famílias mais pobres, pois essas convivem com constantes e variadas intervenções nas suas vidas privadas (do poder público, dos poderes locais, dos poderes paralelos). As famílias de maior poder aquisitivo geralmente estão muito menos à mercê de serem notificadas, pois, ao utilizarem serviços privados de atendimento médico, psicológico e de educação, “pagam” também pela discrição.
A própria população atendida no Projeto Águas do Deserto é predominantemente composta por famílias de baixa renda, fato que reforça tais hipóteses. Na realidade, este campo de discussões ainda carece de pesquisas com metodologias suficientemente adequadas à complexidade do tema.
Quanto à composição familiar, verificamos que 40,0% a 50,0% das famílias atendidas não contam com a presença de ambos os pais, e em cerca de 30,0% a 40,0% das famílias, a criança ou adolescente, vive somente com a mãe.
Estudo de Gil (1978) também verificou a ausência do pai em cerca de 50% de sua amostra. Além disso, dados recentes para o Brasil apontam para o aumento de famílias chefiadas por mulheres em populações de baixa renda. Portanto, este perfil de separações conjugais também indica um processo agravante da situação de pobreza relacionado à falta da figura paterna, podendo o mesmo ainda estar associado à violência doméstica.
Em menos da metade das famílias atendidas, foi possível, através do histórico do atendimento, recuperar os motivos alegados pelos familiares para explicar o abuso cometido. Percebemos que a maioria das justificativas recaia sobre o comportamento do agressor, enfatizando-se o envolvimento deste com alguma espécie de delitos, alcoolismo e drogadição.
Já as explicações que apontam a própria criança como “responsável” pelo abuso indicam o seu comportamento rebelde e a dificuldade e necessidade de educá-las, aparecendo com menor frequência a explicação de “distúrbios comportamentais”.
São vários os estudos que buscam compreender as possíveis explicações para o abuso. Guerra (1985), analisando casos de maus-tratos, aponta que, nas famílias onde acontece, a agressão física desempenha papel central na educação dos filhos.

A drogadição, especialmente o alcoolismo, também é referendada na literatura como um importante fator desencadeante dos maus-tratos (Giovannoni&Becerra, 1982; Monteiro, 1992).
Na avaliação do Projeto Água do Deserto, através de sua experiência, o tema traz várias contribuições para se pensar e como atuar no problema da violência doméstica.
A mais básica para este tipo de ação é o conhecimento da população demandante. A análise dos casos atendidos ao longo dos últimos quatro anos pode ser um primeiro passo, ainda que básico, para esta compreensão acerca das principais características das famílias que vivenciam os maus-tratos. A ausência desta informação compromete tanto a identificação de novos casos como a atuação nos casos já conhecidos.
Quanto à atuação propriamente dita, algumas “lições” foram aprendidas através da análise dos atendimentos e acompanhamentos. A primeira é que as famílias que vivenciam a violência doméstica não devem ser vistas como dicotomicamente divididas entre vítimas e abusadores. O agente agressor também deve ser envolvido na atuação, assim como os demais familiares, e assim a atenção deve ser integral à família, e não somente à criança e ao adolescente.
E em segundo lugar, e muito importante, nossa experiência, adverte que a criminalização da família ou do agente agressor como princípio para a atuação constitui-se apenas em um paliativo para o problema e pode, em contrapartida, ser um fator de desagregação familiar. A família que experimenta os maus-tratos, contanto que devidamente atendida, continua a ser a principal referência afetiva para as crianças e adolescentes se desenvolverem com segurança e protegidas.
A partir desses pressupostos, a Associação Agua no Deserto que tem como princípio, a defesa e a promoção dos direitos das crianças e dos Adolescentes, em situação de vulnerabilidade, especialmente vítimas de violência doméstica, e desenvolve ações educativas para promover a inclusão social possibilitando-lhes conhecer e usufruir dos direitos fundamentais e do convívio familiar e comunitário, conforme preconiza o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

Através de oficinas de orientação, educação, profissionalização, o acesso à cultura e musicalização, oferecendo espaço de acolhimento com o objetivo de mantê-los fora das ruas no contra turno escolar, garantindo-lhes a melhoria na qualidade de vida e o exercício de sua cidadania, e com o objetivo de afastar crianças e adolescentes dos perigos da rua, no contra turnos escolar, oferece acolhimento, atendimento, cursos, oportuniza o acesso aos direitos inerentes, e incentivando-os à desenvolver seus talentos através de atividades profissionalizantes, artísticas e recreativas.